NOTAS AUTOBIOGRAFICAS - CONCEITOS E PENSAMENTOS

Com que direito — perguntará o leitor — o homem opera com tal descuido e de forma tão elementar com idéias, nesse reino tão problemático, sem ao menos tentar provar alguma coisa? Minha defesa: todos os nossos pensamentos têm a natureza do jogo livre dos conceitos; a justificativa desse jogo está no grau de compreensão das sensações que podemos alcançar com a sua ajuda. O conceito de “verdade” não pode ainda ser aplicado a essa estrutura; na minha opinião, esse conceito só é aplicável quando temos à mão um acordo (convenção) que abrange os elementos e as regras do jogo.

Não tenho dúvidas de que o nosso pensamento se processa, na maior parte das vezes, sem o uso dos signos (palavras) e, além disso, em grande parte inconscientemente. Se assim não fosse, como seria possível “lembrarmos com estranheza” e de forma espontânea uma determinada experiência? Essa “lembrança inquisitiva” pode ocorrer quando a experiência está em conflito com conceitos bem estabelecidos em nossa mente. Sempre que experimentamos esse conflito aguda e intensamente, ele reage contra nosso mundo mental de modo decisivo. O desenvolvimento desse mundo mental é, em certo sentido, uma fuga constante do “pensamento de estranheza”.

Aos 4 ou 5 anos, experimentei esse sentimento quando meu pai mostrou-me uma bússola, O fato de a agulha comportar-se de uma certa forma não se encaixava entre os tipos de ocorrências que podiam ser colocados no mundo inconsciente dos conceitos (eficácia produzida pelo “toque” direto). Lembro-me ainda — ou pelo menos creio que me lembro — que essa experiência causou-me uma impressão profunda e duradoura. Devia haver algo escondido nas profundezas das coisas. Aquilo que o homem conhece desde a infância não provoca esse tipo de reação; não se surpreende com o vento e a chuva, com a lua, nem com o fato de essa mesma lua não cair do céu, ou com as diferenças entre a matéria viva e a matéria sem vida.